Vicente é o segundo filho de um simpático casal de padeiros portugueses. Nasceu no dia 24 de março de 2003, uma segunda-feira que sua família não vai esquecer nunca. É que, além da chegada de Vicente, a família comemorava também a conquista do dia anterior: o Vasco, time de coração de todos na casa, havia conquistado seu vigésimo segundo título carioca, após duas vitórias de 2 a 1 sobre o Fluminense.
Vicente se tornou, então, o amuleto vascaíno da família. Mesmo sem entender o que estava acontecendo, vivia com a camisa do Vasco, principalmente dentro do carro da família, onde o pai acreditava que ela o manteria seguro.
Entretanto, nem tudo foi tão bem quanto o pai de Vicente imaginava.
Vicente bebê
O ano de 2003 se encerrou sem mais títulos para o Vasco, o que decepcionou um pouco o padeiro, mas não abalou sua fé no amuleto.
No ano seguinte, Vicente já tinha completado um ano de idade quando o Vasco conseguiu se classificar para a final do Carioca. Apesar de a final ser contra o Flamengo, toda a família de Vicente estava confiante e achava que o amuleto veria seu primeiro título. Infelizmente para os padeiros, no segundo tempo do segundo jogo, quando a soma dos resultados era um empate por 2 a 2, Jean, atacante do Flamengo, resolveu fazer três gols no segundo tempo e adiar a comemoração dos portugueses.
Orgulhoso, o pai de Vicente não admitiu a tristeza após a derrota, dizendo que foi até melhor, pois guardaria os fogos (que já tinha comprado) para comemorar a Copa do Brasil, um título muito mais importante.
Infelizmente para o padeiro, Vicente não trouxe muita sorte na Copa do Brasil. No mesmo ano, o Vasco ficou para trás após uma derrota de 3 a 0 em casa para o tradicional XV de Novembro. No ano seguinte, o sonho de mostrar um título a Vicente morreu após um heróico confronto com o Baraúnas, que só foi decidido nos detalhes do segundo jogo, quando o Vasco acabou perdendo de novo por 3 a 0 em casa. Visivelmente abatido após essa derrota, o pai de Vicente jogou fora os fogos que tinha comprado no ano anterior, não por desânimo, mas porque haviam mofado.
Vicente já tinha dois anos.
No ano seguinte, a esperança foi renovada na casa de Vicente. Após uma heróica campanha, o Vasco chegou à final da Copa do Brasil. Era a oportunidade perfeita de Vicente ver seu time conquistar um título e ainda se vingar do Flamengo. Com três anos de idade, foi a primeira vez que Vicente foi ao Maracanã. Foi também a primeira vez que perguntou ao pai o que queria dizer "Obina filho da puta!", que ele tanto repetia no caminho de volta.
Vicente antes do primeiro jogo da final
O trauma fez com que o pai de Vicente quisesse tirar do filho a impressão de que o Vasco sempre perdia para o Flamengo em jogos decisivos. A partir dali, ele disse que o levaria ao Maracanã em todos os jogos decisivos contra o Flamengo, até que ele visse seu time ganhar do rival. A primeira oportunidade veio no Carioca de 2007. Na semifinal da Taça Guanabara, Flamengo e Vasco se enfrentaram e empataram em 1 a 1 (mais uma vez Vicente ouviu "Obina filho da puta!"). Confiante, o pai de Vicente falou: "Vascão nos pênaltis não perde!". Foi aí que Vicente começou a perceber que seu pai nem sempre estava certo.
A Copa do Brasil daquele ano também não ajudou o pobre Vicente. Cansado por ficar acordado até tarde, ele perguntou ao pai se precisava assistir aos acréscimos do jogo contra o Gama. "Relaxa, filho, o empate classifica a gente, pode ir dormir tranqüilo". Assim que o filho deu as costas, o padeiro viu seu time ser desclassificado, mais uma vez em casa, com um golaço de falta do Gama aos 48 do segundo tempo.
Para piorar, o Vasco ainda perdeu, mais uma vez nos pênaltis, a semifinal da Taça Rio, o que acabou com o sonho do título. Ao ver o choro de Vicente, seu pai lhe disse: "calma, filho, pênalti é loteria, hoje a gente perde, mas outro dia a gente ganha".
No ano seguinte, mais um Flamengo e Vasco decisivo, mais uma vez na semifinal da Taça Guanabara e mais uma vez Vicente estava lá. Antes de o jogo começar, vendo que Vicente tinha começado a chorar, seu pai falou "relaxa, filho, dessa vez vai ser diferente". Aí o padeiro olhou pra frente e viu que o filho estava chorando porque na preliminar, um Fluminense e Vasco dos juniores, o Vasco tinha acabado de perder um pênalti no último minuto de jogo. Em seguida, na disputa de pênaltis, o Vasco perdeu mais dois e foi eliminado. O padeiro passou 15 minutos tentando convencer o filho, que estava quase completando cinco anos, de que aquele jogo não valia nada, que o jogo de verdade ainda ia começar, e que nele ia jogar o time principal do Vasco, que tinha craques como o Edmundo, que não deixariam o Vasco perder de novo.
Quando Edmundo perdeu o pênalti naquele jogo, Vicente perguntou "quando é que vai começar o jogo de verdade, pai?".
Pra piorar, na semifinal da Taça Rio, o Vasco foi mais uma vez eliminado, mais uma vez nos pênaltis, dessa vez pelo Fluminense. Chorando, Vicente perguntou para o pai por que não poderia torcer pro Fluminense ou pro Botafogo, times que jogariam a final da Taça Rio naquele ano. Revoltado, o pai respondeu: "são times pequenos, meu filho, já caíram para a segunda divisão, nunca ganham nada".
Decidido a mostrar a grandeza do Vasco, o pai de Vicente o levou a São Januário para ver a semifinal contra o Sport. A decisão foi para os pênaltis e Edmundo foi para a cobrança.
- "Quem é esse aí, pai?"
- "Esse é o Edmundo, filho, um grande craque que já nos deu muitos títulos, excelente jogador, goleador, ídolo da torcida, que... FILHO DA PUTA! FILHO DA PUTA! FILHO DA PUTA!"
- "Ué, pai, o Obina tá jogando?"
Vicente em São Januário
Na volta pra casa, Vicente disse ao pai: "é, pai, pênalti é igual loteria mesmo: a gente nunca ganha".
Infelizmente para Vicente, o ano ainda estava longe de terminar. Após resistir bravamente, o Vasco foi rebaixado para a segunda divisão. "Posso torcer pro Botafogo agora, pai?"
Desesperado, o padeiro tenta explicar que o Botafogo é muito menor que o Vasco, que o Vasco está apenas em uma má fase, que no futuro ele vai mostrar sua superioridade.
Semifinal da Taça Rio 2009: Botafogo 4 x 0 Vasco
"Pai, o que é título?"
Semifinal da Copa do Brasil 2009: Vasco eliminado.
- "Pai, depois da semifinal tem o que mesmo? Não lembro."
- "Tem a final, filho."
- "Por que a gente nunca passa da semifinal?"
- "A gente já passou, você é que não lembra."
- "E a gente já ganhou a final?"
- "Já, mas você ainda não tinha nascido."
Série B 2009: Vasco campeão.
"Pai, isso é título?"
Na Taça Guanabara de 2010, finalmente Vicente viu seu time passar da semifinal (e nos pênaltis, ainda por cima). A festa durou a semana toda, até porque era Carnaval, e pela primeira vez ele começou a perceber o que era comemorar algo no futebol. Infelizmente, a alegria só durou até o Vasco perder a final por 2 a 0.
- "Pai, o que é vice?"
- "Nem pergunta, filho."
Então, na Taça Rio do mesmo ano, o Vasco enfrentaria o Flamengo mais uma vez. O padeiro ainda insistia para que o filho fosse ao Maracanã, mas Vicente preferiu ficar em casa. "Já sei o que vai acontecer, prefiro ficar aqui jogando videogame, porque no videogame às vezes o Vasco ganha".
Seu pai foi sozinho ao Maracanã ver o Vasco ser eliminado mais uma vez.
Vicente aos 7 anos
Essa é a história de Vicente. Em março do ano que vem ele vai completar 8 anos de idade. Desde que ele nasceu, o Vasco não ganhou nenhum título. Quanto tempo essa história vai durar?